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RETRO/2024 foi o ano de Megalópolis

Foto/Divulgação.

Texto publicado originalmente no dia 04/11/2024.

Em 1981, o crítico Antônio Barreto Neto escreveu o seguinte: “O cinema do futuro será luz, som e delírio – dizia Glauber Rocha numa de suas últimas entrevistas. Esse ideal estético ele alcançaria em A Idade da Terra, sua proposta mais radical de rompimento com os conceitos tradicionais da narrativa cinematográfica”.

 
 
   

Francis Ford Coppola – como Martin Scorsese – admira o cinema de Glauber Rocha. No começo dos anos 1970, Coppola hospedou Glauber em sua casa nos Estados Unidos. O cineasta brasileiro estava exilado e chorou no ombro do cineasta ítalo-americano. Glauber temia que os militares jamais permitissem o seu retorno ao Brasil.

Na semana passada, em sua vinda ao Brasil, Francis Ford Coppola contou essa história. Coppola esteve em São Paulo para lançar Megalópolis, o filme que só conseguiu realizar porque tirou 140 milhões de dólares do próprio bolso.

“O cinema do futuro será luz, som e delírio”. Megalópolis é luz, som e delírio. Ou, numa certa medida, Megalópolis é A Idade da Terra de Francis Ford Coppola.

A Idade da Terra é o ultimo filme realizado por Glauber Rocha, que morreu aos 42 anos em 1981. Se você conseguir embarcar, A Idade da Terra é uma extraordinária experiência audiovisual. É um delirante filme-testamento.

Megalópolis pode ser o último filme de Francis Ford Coppola. O cineasta de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now está com 85 anos. Se você conseguir embarcar, Megalópolis é uma extraordinária experiência audiovisual. É um delirante filme-testamento.

Francis Ford Coppola não fez Megalópolis para ganhar dinheiro. Coppola fez Megalópolis para satisfazer uma premente necessidade interior do grande artista que ele é.

Megalópolis é a concretização de um sonho que Francis Ford Coppola manteve vivo por décadas. E ele materializou esse sonho do jeito que quis, com a liberdade que quis, sem dever nada aos grandes estúdios de Hollywood e adotando uma estética que é o oposto do que Hollywood tem oferecido ao mundo.

Megalópolis é um filme para ser amado ou odiado. Se você está entre os que amaram, com certeza foi uma experiência incrível vê-lo na tela grande do cinema.

Francis Ford Coppola transforma a Nova York do Chrysler Building em Nova Roma num filme que, cheio de referências ao próprio cinema, vai dos truques rudimentares de George Méliès – a lua roubada com a mão – ao delírio onírico de Federico Fellini, passando tanto pelo Metrópolis de Fritz Lang quanto pelo Ben-Hur de William Wyler.

Francis Ford Coppola confronta dois homens e suas visões de mundo e de poder político. Adam Driver é Cesar Catilina, um arquiteto visionário que sonha com o futuro de Nova Roma. Giancarlo Esposito é Franklin Cicero, o prefeito de Nova Roma, um político com o pragmatismo e os defeitos que os políticos costumam ter.

Entre eles, há Nathalie Emmanuel fazendo Julia Cicero. Filha de Cicero, Julia se apaixona por Catilina. E há lendas como Dustin Hoffman e Jon Voight em pequenos papéis. Além de Talia Shire, irmã de Coppola, que vimos na trilogia O Poderoso Chefão e nos filmes da franquia do lutador Rocky Balboa.

Se pensarmos no cinema que Hollywood produz convencionalmente, Megalópolis é o anticinema, a sua narrativa é a antinarrativa. Megalópolis é barroco, repleto de excessos, por vezes teatral, caricato, operístico, louco demais.

Megalópolis desafia duas vezes a força da grana que quase sempre não ergue coisas belas em Hollywood. Primeiro, porque foi realizado sem o dinheiro de Hollywood. Depois, porque seu realizador sabe que vai tomar um tremendo prejuízo e não está nem aí.

Megalópolis é pura desconstrução da linguagem hollywoodiana. Megalópolis é produto da mente livre e criativa de um grande artista. Megalópolis é uma porrada nos influenciadores digitais deslumbrados com blockbusters e franquias.

Você não precisa gostar de Megalópolis, mas deve saber que Francis Ford Coppola e seu filme merecem muito respeito.