O respeito às tradições e às formas de comunicação características da cultura dos povos originários é o ponto focal do livro Ñande Rete, Ñande Róga – Estrelas na Cabana. A obra, voltada ao público infantil indígena, foi escrita pela psicóloga e autora Viviane Vaz e busca conscientizar sobre a prevenção ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Lançado em abril deste ano, o livro é escrito em português e Guarani-Kaiowá, com tradução de Uilian Sanches Martins Benites, e tem se tornado uma referência sobre o tema na rede pública de educação. Por essa razão, a publicação acabou sendo transformada em uma palestra ministrada pela autora como parte do encerramento das ações do Maio Laranja, promovidas pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (SAS), por meio da Superintendência de Defesa de Políticas dos Direitos Humanos.
A palestra foi realizada no auditório do Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande (IMPCG) e contou com a presença da secretária Camilla Nascimento, de lideranças indígenas, autoridades da gestão municipal e representantes do Poder Judiciário. O foco do evento foi discutir a proteção de crianças indígenas, reforçando a necessidade de políticas públicas específicas para esse público.
A atividade teve caráter intergeracional, reunindo pais, mães, lideranças e crianças das comunidades indígenas urbanas. O objetivo foi promover o diálogo, fortalecer os vínculos familiares e utilizar a convivência como ferramenta de proteção contra abusos.
Segundo a autora, ao dialogar com crianças indígenas, é essencial respeitar suas tradições e modos próprios de comunicação, evitando imposições. Considerando a timidez e o comportamento mais introspectivo presentes em muitas dessas crianças, Viviane reforça que o diálogo deve ser conduzido com cuidado, promovendo autonomia e empoderamento para que reconheçam situações de risco e saibam como buscar ajuda — sempre levando em conta o contexto cultural.
Durante a palestra, a psicóloga promoveu atividades lúdicas relacionadas ao tema, com a participação ativa das crianças indígenas presentes, tornando o momento de conscientização ainda mais significativo.A secretária Camilla Nascimento chamou a atenção para os canais de denúncia, com ênfase no Disque 100. “É um número muito fácil de decorar, passem à frente esse número porque ele salva nossas crianças, é por isso que eu peço a vocês cada vez mais atenção dentro das nossas casas, a cada olhar das nossas crianças”, disse.
Moradora na aldeia Paravá, a auxiliar de serviços gerais Jane Dias Paulino, levou as duas filhas de 12 e 14 anos para participarem da atividade e aprovou a iniciativa. “Sempre participo de eventos assim, é muito importante para as crianças porque acho que com o livro elas entendem melhor do que a gente falar”, pontuou.
Fernando Souza, subsecretário de Estado dos Povos Originários de Mato Grosso do Sul apoiou a iniciativa de promover um evento sobre abuso sexual com um olhar diferenciado, respeitando a cultura indígena.
A superintendente de Defesa da Políticas de Direitos Humanos, Prisicilla Justi, ressaltou que A SDHU desenvolve ações voltadas à promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas em Campo Grande, com foco especial nas comunidades indígenas urbanas, que totalizam 24 e reúnem uma população de mais de 18 mil famílias indígenas.
“Promovemos a articulação intersetorial para garantia de acesso a direitos fundamentais, como documentação, saúde, educação, assistência social e moradia, além de organizar atividades de fortalecimento cultural por meio do apoio a eventos, oficinas e ações de valorização das línguas e tradições indígenas”, afirmou.
Expansão da obra
Viviane Vaz explica que a ideia do livro surgiu a partir da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado que realiza um trabalho nas comarcas e na comunidade de Amambai, onde há um grande número de crianças que falam a língua indígena. “Entendemos que a gente tinha que ter um material específico, então fui convidada para escrever a obra e agora estamos trabalhando para traduzir também para a língua Terena.
Profissionais que abordam o tema com crianças indígenas precisam estar capacitados para entender suas especificidades culturais para não causar medo ou confusão, por isso os professores que estão utilizando a obra para debater o tema em sala de aula passaram por uma formação. “A ideia é que esse trabalho chegue, quem sabe às comarcas de todo o país porque o TJ há muito tempo se preocupa com a questão dos povos originários”, comentou Renata Queiroz, da coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Campo Grande abriga atualmente cerca de 18.439 famílias indígenas, sendo o município com a maior população indígena de Mato Grosso do Sul.
#ParaTodosVerem As imagens mostram o momento da palestra.