Em 1968, numa loja de discos, meu pai me mostrou um anúncio e disse: “Daqui a dois anos, em 1970, o mundo vai comemorar dois séculos do nascimento de Beethoven”.
Eu tinha nove anos, e não era a primeira vez que o nome do compositor entrava em minha vida. Àquela altura, já ouvira algumas vezes a história de Miguel.
Miguel era um amigo da vizinhança. Uma noite, meu pai foi visitá-lo e voltou para casa com um presente: uma coleção da Eroica em discos de 78 rpm.
Miguel morreu naquela noite, vítima de um mal súbito, e, desde então, meu pai decidiu que, quando morresse, o segundo movimento da Terceira Sinfonia de Beethoven – a Marcha Fúnebre – tocaria em seu velório.
É uma história triste, carregada de morbidez, mas, na minha memória afetiva, Beethoven e sua música gigantesca estão associados a ela.
Meu pai me apresentou a Beethoven, e meu tio Humberto, finíssimo cultor da música erudita, me ofereceu fundamentos para que eu pudesse ouvir e compreender pelo menos parte da sua extensa obra.
Meu tio contava que escreveu nove contos – só os li muito recentemente – que guiariam o ouvinte pelo ciclo das nove sinfonias de Beethoven. Foi assim, sob a luz desses contos de cuja existência duvidei, que mergulhei nesse conjunto de nove peças.
A Terceira Sinfonia de Beethoven, chamada de Eroica, ficou linkada no meu HD à ideia da morte. Não teria como ser diferente.
Já a Quinta Sinfonia, de tão executada, de tão popular, pode ter se tornado banal. Mas é musica absoluta, escreveu Otto Maria Carpeaux em Uma Nova História da Música.
A Sexta Sinfonia, a Pastoral, embora subestimada por críticos mais rigorosos, sempre foi, com seu sublime segundo movimento, a da minha preferência.
A Nona Sinfonia, composta por um homem surdo que se aproximava da morte, talvez seja o mais importante patrimônio sinfônico da humanidade.
A Nona Sinfonia foi escrita entre 1818 e 1824, ano em que afinal foi executada numa sala de concertos em Viena. Diferente de tudo o que havia sido feito até então, a Nona Sinfonia, no último movimento, incorpora a voz humana através de solistas e um coral.
Beethoven criou a melodia da Ode à Alegria sobre os versos de Friedrich Schiller. O trecho cantado é um dos mais populares do repertório erudito de todos os tempos.
Em seu livro tão útil quanto imprescindível, Otto Maria Capeaux oferece uma espécie de guia comentado para auxiliar na audição de Beethoven, enumerando as obras mais importantes e o contexto em que foram escritas.
É Otto Maria Carpeaux, crítico austríaco que viveu no Brasil, que classifica a arte de Beethoven como o maior documento humano em música e afirma que o destino da música bethoveeniana e o destino da nossa civilização estão indissoluvelmente ligados.
Otto Maria Carpeaux defende a tese de que, sem ele, a humanidade seria menos humana e conta que uma famosa história da música em quatro volumes tem ícones em suas capas. Somente numa das capas o ícone é um rosto – o rosto de Beethoven.
Ludwig van Beethoven nasceu no dia 16 de dezembro de 1770. Ou no dia 17 de dezembro – há uma imprecisão na data. Morreu em 1827 com 57 anos.
Na sua música, fez a transição do período clássico para o romântico. Como disse um ateu: a arte de Beethoven, de tão extraordinária, pode ser um sinal de que Deus existe.