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Ivan Cineminha sabe tudo dos milhares de filmes que viu

Foto/Reprodução/TV Câmara.

A sessão ia começar às oito da noite. Um pouco antes, ele chegou de moto e estacionou no pátio do cinema – o Cine Teatro Santo Antônio, no bairro de Jaguaribe. Vestia um casaco de couro e já vinha de um outro filme num outro cinema de rua da cidade.

Essa é a primeira lembrança que tenho dele. Eu estava saindo da infância para a adolescência e todas as noites ia para a frente do Santo Antônio, onde a galera do bairro se encontrava para ver o filme ou simplesmente para conversar.

 
 
   

O seu nome – soube depois – era Ivan Araújo Costa. Mas foi como Ivan Cineminha que, anos mais tarde, ficou nacionalmente conhecido nas duas vezes em que foi ao talk show de Jô Soares. Numa delas, ganhou de presente um encontro com Anthony Quinn.

Na pequena Picuí, o pai de Ivan tinha um cinema, e foi lá, na infância, que viu os primeiros filmes. Quando veio para João Pessoa, na primeira metade dos anos 1950, cinema de rua, nos bairros e no centro da cidade, era o que não lhe faltava.

Ivan ia ao cinema e, num caderno, anotava o nome do filme, o diretor, o elenco, o país de origem, o ano da produção. Anotava e memorizava o que estava escrito. Um caderno, dois cadernos, três cadernos. Um monte de cadernos ao longo dos anos.

A memória era boa, muito boa, e, aos poucos, Ivan foi se transformando numa verdadeira enciclopédia ambulante do cinema. Amava os filmes, dezenas, centenas, milhares, e tinha um ídolo no rock, Elvis Presley, de quem adotou alguns maneirismos.

Quando foi pai, não teve dúvidas. O primeiro filho se chamou Elvis Presley, que juntava música e cinema na vida de Ivan. Veio uma menina, e ela foi batizada como Vanessa Redgrave. Mais um menino, e a este foi dado o nome de Maximilian Shell.

Conversar com Ivan é uma delícia. Jô Soares ficou encantado. Ivan tem uma memória privilegiada e – não é um defeito – adora se exibir. A gente pergunta: “Qual o único western estrelado por Sean Connery?”. E ele responde: “Shalako“.

Antônio Barreto Neto, o melhor dos críticos de cinema da Paraíba, foi vizinho de Ivan. Abria a janela e, do outro lado, lá estava a janela da casa de Ivan. E era com ele que tirava dúvidas, que fazia consultas, num tempo em que nem se sonhava com Internet.

Na juventude, Ivan vendia discos. Trabalhou em várias lojas da cidade. Uma delas ficava em frente ao Cine Plaza, no centro de João Pessoa. Quando terminava o expediente, bastava atravessar a rua e pegar a primeira sessão da noite.

O Cine Municipal ficava a alguns metros dali. O Cine Rex, também. Eram cinemas de “primeira linha”. O Brasil e o Felipeia, também no centro, eram salas mais populares. O Brasil tinha fama de ser frequentado pelas prostitutas das redondezas.

Nos bairros, havia o Torre, o Metrópole, o São José, o Santo Antônio, o Bela Vista, o Glória, distribuídos na Torre, em Jaguaribe e em Cruz das Armas. Ivan Cineminha frequentou todos eles. Foram suas verdadeiras escolas de cinefilia.

Há os cinéfilos cultos, os que viram filmes e leram sobre cinema. Ivan, certamente, não é um deles. Ivan é um cinéfilo intuitivo. O amor pelo cinema e pelos filmes da sua vida lhe é suficiente. É o que faz dele uma figura fascinante e absolutamente singular.

Ivan Cineminha está beirando os 80 anos. Com a memória intacta, continua exibindo seus conhecimentos. De vez em quando, nos sábados à tarde, encontro com ele na Música Urbana, uma loja de discos que sobrevive no centro, perto de onde foi o Municipal.

Neste sábado, sete de dezembro de 2024, ele não vai à Música Urbana. Às três da tarde, numa sala do Manaíra Shopping, será homenageado no Fest Aruanda. Não é a primeira vez que é lembrado pelo festival. A homenagem a Ivan é um justo tributo a ele e à cinefilia.