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‘preciso que entenda que não quero alisar meu cabelo’

Andila Nahusi, empresária especialista em cabelos crespos e cacheados. Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

A inserção de pessoas pretas no mercado de trabalho e na educação é uma luta histórica que enfrenta obstáculos profundos e estruturais. Esse processo é marcado por desafios que vão desde o acesso a oportunidades até a permanência em espaços acadêmicos e profissionais. O racismo estrutural, presente em diversas esferas da sociedade, impacta diretamente a trajetória dessas pessoas, dificultando não apenas o ingresso, mas também a ascensão e a valorização nesses ambientes. Até se encontrar na profissão que atua, ainda na universidade, Andila Nahusi, empresária especialista em cabelos crespos e cacheados, percebeu a dificuldade de permanecer em alguns espaços.

“A minha maior dificuldade mesmo, a partir do momento que eu consegui entrar no curso de artes visuais, era que não tinha conhecimento com base na cultura negra e eu queria muito produzir sobre cultura negra aqui em João Pessoa, mas eu era incentivada a sair da cidade. É triste quando você tá querendo fortalecer uma história da sua cidade, do seu local e você não consegue porque não tem um conhecimento, não tem mentoria, as políticas ainda eram muito primárias”, detalha Andila Nahusi.

Andila Nahusi, empresária especialista em cabelos crespos e cacheados

Foi em novembro de 2015 que ela fundou uma salão de beleza para cabelos crespos e cacheados, unindo os seus desejos em um só empreendimento. Atualmente, são 13 mulheres pretas trabalhando no local e fazendo da profissão uma ferramenta para contribuir com a autoestima de outras mulheres. Até chegar onde está, Andila percorreu um longo caminho que exigiu resistência diante de um racismo estrutural e persistente.

 
 
   

“Eu já tinha prestado vestibular duas vezes para psicologia, também já era um artista, né? E eu sabia que, de alguma forma, eu queria unir essas duas coisas e ajudar as pessoas e aí, através da estética, que eu comecei a trabalhar com o empoderamento, primeiro pelo meu empoderamento mesmo pessoal, eu precisava me fortalecer como mulher, a minha estética, a minha história e tudo mais. E depois consegui passar isso para outras mulheres, outras pessoas que, assim como eu, não viam tanto naquela época, entre 2006 e 2010, essa imagem muito forte”, conta Andila.

Salão da empresária e especialista Andila Nahusi. Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

Essa experiência não é única e tem raízes profundas que escancaram a desigualdade pelo marcador social da divisão racial. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, em todo o país, as pessoas pretas e pardas continuam com menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento. As desigualdades sociais por cor ou raça seguem evidentes no mercado de trabalho. Na Paraíba, por exemplo, a desocupação e a subutilização continuam atingindo mais pretos e pardos do que os brancos.

Em 2021, as taxas de desocupação foram de 12,2% para os brancos e 17,9% para população preta ou parda, que também ganham menos pela força de trabalho. O rendimento médio do trabalho entre a população preta ou parda é de R$ 1.436, enquanto que entre pessoas brancas, o rendimento fica em R$ 2.284.

A subutilização do trabalho também ilustra esse cenário: a categoria inclui aqueles que têm potencial para ocupar cargos, mas que não conseguem vagas. Ainda conforme o IBGE, trabalhadores pretos continuam sendo os mais atravessados pelo problema: a taxa de subutilização entre eles é de 45,6% e quando conseguem emprego, ganham menos pela força de trabalho.

Socióloga Suéria Dantas. Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

Reflexo e construção

A divisão social do trabalho que acontece agora é traço de um processo histórico que contribuiu para influenciar posições na sociedade. A socióloga Suéria Dantas explica que o processo é estrutural.

“A gente percebe que antes da questão racial, de se impor um ideal de uma raça superior à outra, a gente já tem uma relação de trabalho fundando essa sociedade. Então é essa relação de trabalho que vai orientar quem é o senhor e quem é o escravo, quem tem esse poder de determinar como essa sociedade está se estruturando. Vai ser a partir dessas relações de trabalho, dentro desse período histórico, que a gente vai ter várias transformações, passando pelo período de abolição desse sistema de escravidão”, explica a socióloga.

Promover políticas públicas é uma das alternativas para iniciar mudanças e repensar os modelos em que a educação e o mercado de trabalho estão inseridos.

“É preciso ir para o rompimento mesmo de determinados paradigmas, mas eu chamo a atenção da necessidade de um projeto de base. A lei de cotas, ela é uma revolução no acesso tanto na universidade quanto nos concursos públicos, porém a gente precisa entender que quando a gente tá falando de pobreza, a gente situa números, avoluma a população negra. Quando a gente vai falar de analfabetismo, as taxas da população negra são mais que o dobro do que da população não negra, quando a gente vai falar de acesso a serviços de saúde, daquele usuário primordial do SUS, a gente está falando da população negra. Essa população que já vem desse processo histórico, de defasagem de capacidade material, de se inserir de forma mais digna nesse mercado de trabalho, nessa sociedade que a gente tem. Se a gente tem uma política revolucionária de acesso à educação desde as bases, se a gente tem uma política revolucionária de manutenção de garantias e direitos trabalhistas, a gente vai estar é atingindo o foco na população negra”, detalha Suéria Dantas.

Com a certeza de que corpos pretos devem existir, elas formam uma corrente de representatividade para mudar estatísticas.

“É uma sensação muito grande de dever cumprido. De que eu tô trabalhando e tô gerando renda, mas não só para mim, né? Eu tô fazendo que uma rede inteira consiga se sustentar. É investir em si própria, sustentar famílias, então isso faz todo o sentido quando a gente pensa que a empresa não é somente uma oferta de serviço”, enfatiza Andila.