Um cemitério flutuante de décadas, com navios-fantasma sem tripulação espalhados pelas águas da Baía de Guanabara, no Rio, foi a origem do acidente que atingiu a Ponte Rio-Niterói no início da noite desta segunda, 14. Foi desse conjunto de barcos comidos pela ferrugem e pelas cracas que saiu o petroleiro São Luiz, cuja ancoragem, sob pressão de ventos de mais de 50 km/h, cedeu.
O rompimento permitiu que o navio fosse lentamente arrastado até bater no guarda-corpo da estrutura, que balançou. O incidente, que cortou por três horas a principal ligação rodoviária entre a atual e a antiga capital fluminenses, não surpreendeu, porém, ambientalistas e engenheiros que acompanham há anos o problema e seus riscos ambientais e à navegação. Após vistoria técnica, a ponte foi reaberta nesta terça, 15.
“Ao longo deste tempo cresce o risco de vazamento de óleo, outras substâncias químicas e metais pesados oriundos dessas embarcações que apodrecem no fundo da Baía ou ancoradas no espelho d’água de forma precária e insegura, sem dispor da devida fiscalização periódica que deveria ser realizada por órgãos ambientais como o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) ou o Ibama (federal), nem mesmo pela Capitania dos Portos”, afirmam os ativistas do Movimento Baía Viva, em nota.
A ONG, que monitora a baía desde 1984, afirma que “o cemitério de navios que assombra há 30 anos a Baía coloca em risco a vida dos cariocas”.
Os ativistas dizem alertar periodicamente as autoridades sobre o risco de desastres ambientais nas águas da Baía causados pelas embarcações afundadas ou abandonadas há anos. Chamam de “hipocrisia” que os responsáveis aleguem desconhecer o problema.
“No canal de São Lourenço, em Niterói, onde há cerca de três décadas mais de uma centena de barcos, chatas e outras embarcações de diferentes portes estão abandonadas, apodrecendo, há crescentes impactos ou prejuízos à pesca e o impedimento da navegação”, continuam.
Lixo náutico
Não há levantamento preciso sobre o número de barcos abandonados na baía. Algumas fontes falam em dezenas de navios inutilizados ou envolvidos em imbróglios judiciais. Somam-se a lixo náutico – cascos, peças e equipamentos – e ao lixo urbano e esgoto também despejado pelos municípios. São ao menos 18 mil litros de esgoto doméstico por segundo, de sete municípios do Estado.
O jornalista e ambientalista Emanuel Alencar, autor do livro Baía de Guanabara – Descaso e Resistência (2021), afirma que levantamento da Capitania dos Portos para a obra apontou 78 embarcações abandonadas. Algumas estão lá, sem ninguém a bordo, há mais de 40 anos. Ficou caro operá-las ou livrar-se delas. São, então, ancoradas e abandonadas.
Os navios abandonados na Baía já foram alvo de reportagens nos últimos anos. Em abril do ano passado, em resposta o portal Metrópoles, a Marinha informou que, então, na Baía de Guanabara, havia “aproximadamente dez cascos de embarcações fundeadas ou encalhadas por seus proprietários”.
Na época, a Marinha informou que as atividades de inspeção naval rotineiras “não apontavam para situações que implicassem comprometimento da segurança da navegação ou risco de poluição hídrica”.
Também ao Metrópoles, o Inea, ligado ao governo fluminense, informou que só atua em caso de acidente de derramamento de óleo ou outros produtos nocivos ao ambiente e atribuiu a responsabilidade pelas embarcações abandonadas a seus proprietários, “independentemente do estado de conservação”.
O Estadão tentou contato ontem com a Capitania dos Portos e o Inea para comentar o abandono de navios, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.