Parceria entre pesquisadores e comunidades protege mangues na Amazônia

Árvores que chegam a 30 metros de altura – como um edifício de dez andares –, com raízes fixadoras que ultrapassam o tamanho de uma pessoa. Os mangues amazônicos são grandes sumidouros de carbono, superando as métricas até mesmo da floresta amazônica. Esse ecossistema é responsável por retirar da atmosfera três vezes mais gás poluente do que florestas de terra firme.

É entre Maranhão, Pará e Amapá que está o maior território contínuo de manguezais sob proteção legal de todo o mundo. Os dados superlativos tornam também mais difícil o monitoramento e a fiscalização desses territórios.

 

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Área de manguezal na Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu monitorada pelo projeto Mangues da Amazônia. Fernando Frazão/Agência Brasil

No nordeste do Pará, o projeto Mangues da Amazônia trabalha junto às comunidades locais para mapear tanto a vegetação e a fauna quanto as áreas onde há corte de madeira. O projeto também identifica as áreas mais sensíveis e realiza o reflorestamento desses locais.

“A gente vai na comunidade, mostra o mapa da região e pergunta onde está ocorrendo corte de madeira. Eles indicam no mapa. A gente visita cada um dos lugares para fazer o georreferenciamento. Tudo é checado e validado, e a gente produz mapas, a partir do mapeamento participativo. Esses mapas, a gente entrega para as prefeituras, associações e lideranças”, explica o professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador-geral do projeto Mangues da Amazônia, Marcus Fernandes. De acordo com o professor, há áreas de corte identificadas onde as pessoas já fabricam ali mesmo as tábuas de madeira.

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O professor Marcus Fernandes é o coordenador do Laboratório de Ecologia de Manguezal – Lama, da Universidade Federal do Pará (UFPA) Fernando Frazão/Agência Brasil

O projeto atua em quatro reservas extrativistas (resex): Resex Marinha de Tracuateua; Resex Marinha de Caeté-Taperaçu; Resex Araí-Peroba; e Resex Gurupi-Piriá. Elas estão localizadas, respectivamente, em quatro municípios: Tracuateua, Bragança, Augusto Corrêa e Viseu. Sua cobertura chega a uma área de 131 mil hectares – o equivalente a 120 mil campos de futebol.

A extração de madeira, assim como a captura de caranguejos não é ilegal nesses territórios. Mas, no caso do corte, é preciso informar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“É área de uso, mas tudo é controlado. Só que eles dão um truque. Têm que dizer quanto de madeira, qual madeira e onde vai cortar. Eles declaram isso, mas vão em outro lugar e tiram tudo que querem. Não tem fiscalização”, diz Fernandes. “Eles conseguem driblar. Muita gente também quer vender para fazer carvão para as padarias, para as olarias, etc. Então, é um problema, de fato, [a extração de] madeira aqui. Mas não é tão grave quanto é no Nordeste, quanto é no Sudeste”, acrescenta.

Além de mapear as áreas de corte, o projeto também mapeia as espécies que vivem nos mangues. “A gente leva os caranguejeiros para o mesmo processo de mapeamento. A gente vai para os lugares e faz o nosso censo para saber quantos machos, quantas fêmeas, o tamanho e o peso, para saber como é que está e mostrar uma figura do que está acontecendo com aquele lugar”, diz. “Tudo precisa de um diagnóstico”.

Filhote de caranguejo em área de manguezal reflorestada pelo projeto Mangues da Amazônia, na Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu. Fernando Frazão/Agência Brasil

O projeto também realiza o mapeamento genético da vegetação, para ajudar no plantio e recuperação das áreas. “Hoje, já tem todo o mapeamento de onde estão essas árvores. Agora, eu preciso saber qual é a qualidade dos diferentes tipos de mangue, o vermelho, o preto e o branco”, explica.  

“Quanto maior a variabilidade genética, melhor e maior a probabilidade dessa planta que for nascer daquela semente e daquela árvore ter melhor qualidade de vida lá na frente ou ser mais adaptável, mais sensível às mudanças que estão ocorrendo. Então, se eu escolher melhores sementes, eu sou capaz promover uma floresta mais resiliente, mais adaptável às novas mudanças que estão vindo por aí. Essa é a nossa proposta com a genética”, diz Fernandes. 

Mangues na Amazônia

Os manguezais são áreas úmidas que estão entre o mar e a terra firme. As espécies vegetais e animais que ali vivem são resistentes ao fluxo das marés e ao sal. O ecossistema abriga caranguejos, moluscos como ostras e sururus, peixes, aves e até mesmo mamíferos e répteis.

 

Guarás, garças e biguás no manguezal de Ajuruteua. Próximo à Vila dos Pescadores, aves fizeram ninhos com resíduos de redes de pesca, na área da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu. Fernando Frazão/Agência Brasil

O Brasil é o segundo país com maior extensão de manguezal, com 14 mil quilômetros quadrados (km²) ao longo da costa, ficando atrás apenas da Indonésia, com cerca de 30 mil km². 80% dos manguezais em território brasileiro estão distribuídos em três estados do bioma amazônico: Maranhão (36%), Pará (28%) e Amapá (16%).

De toda a extensão amazônica, a maior parte está em 120 unidades de conservação que abrangem 12 mil km², 87% do ecossistema em todo o Brasil. Isso faz com o que o Brasil tenha o maior território contínuo de manguezais sob proteção legal de todo o mundo, de acordo com os dados do ICMBio.

“Um dos pontos do projeto é trazer o foco para quando você falar de Amazônia, você falar também dos manguezais amazônicos, porque eles ficam invisibilizados”, diz o gestor do projeto Mangues da Amazônia, John Gomes. 

 

O gestor do projeto Mangues da Amazônia, John Gomes, com mudas de mangue que serão levadas para reflorestamento. Fernando Frazão/Agência Brasil

Sumidouros de carbono

Na Amazônia, por conta do maior acesso a recursos hídricos, o mangue na região também acaba se desenvolvendo mais do que nas outras regiões do país, com árvores que chegam a 30 metros de altura. As grandes dimensões dos manguezais amazônicos aumentam também os impactos positivos do ecossistema.

Um deles é a capacidade de retirar gás carbônico da atmosfera e armazená-lo no solo, que, por ser muito úmido e denso, acaba retendo o gás poluente. De acordo com Fernandes, os manguezais da região armazenam 600 toneladas de carbono por cada hectare, de acordo com as medições feitas pelo projeto. “Isso é muita coisa. Então, é mais do que a média mundial”, diz.

 

Vista de um braço do Rio Caeté em área de manguezal na Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu monitorada pelo projeto Mangues da Amazônia. Fernando Frazão/Agência Brasil

Um dos grandes riscos para o manguezal são as mudanças climáticas e a consequente redução de chuvas no local, de acordo com o professor do Instituto de Estudos Costeiros da UFPA Hudson Silva que, no Mangues da Amazônia, é responsável pelo monitoramento das emissões dos gases.

“Se você tem redução nas chuvas, as áreas que se beneficiam dessa condição de alagado para funcionar como sumidouro começam a perder essa função. O solo começa a ser aerado, o oxigênio começa a entrar mais para esse solo, e o processo de decomposição começa a jogar mais gás carbônico para fora”, diz.

Os impactos já são sentidos. Segundo Silva, a taxa de precipitação na região, que chegava a 3 mil milímetros (mm) por ano, atualmente chega a 2 mil mm.

Fernandes complementa que a extinção dos mangues na região pode gerar consequências catastróficas, não apenas locais, mas impactando toda a costa, com avanço do mar e alagamento de regiões costeiras.

“A região amazônica tem um estoque enorme de carbono, então, se a gente corta ou perde esse ambiente, a gente vai jogar isso para fora. É como se você liberasse uma bomba de carbono para o ambiente”, diz. “E tem um efeito nacional absurdo na nossa costa, um efeito que vai ser também para toda a floresta. Se a gente tira o manguezal, tira a proteção costeira”.

Mangues da Amazônia

O Mangues da Amazônia nasce a partir do trabalho de estudo e conservação de manguezais feito no Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA) da UFPA, em Bragança. O projeto, patrocinado pela Petrobras, está no segundo ciclo de execução. O primeiro foi entre 2021 e 2022, quando foram recuperados 14 hectares de mangue. O segundo ciclo começou em 2024 e segue até 2026, com a meta de reflorestar mais 17 hectares.

 

Cobra jiboia é vista em área de manguezal reflorestada pelo projeto Mangues da Amazônia na Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu. Fernando Frazão/Agência Brasil

O projeto é parte do Programa Petrobras Socioambiental, que patrocina 160 projetos em todo o país, com um investimento previsto de R$ 1,5 bilhão até 2029. De acordo com a gerente de Direitos Humanos da Gerência Executiva de Responsabilidade Social da Petrobras, Sue Wolter, o Mangues é um dos projetos com maior retorno, tanto ambiental, quanto social. A cada R$ 1 investido pela Petrobras, o retorno estimado para a sociedade é de R$ 7.

“O objetivo do Programa Petrobras Socioambiental é implantar os projetos buscando transformação social. Levar valor para a sociedade, para os territórios onde a gente está e, ao mesmo tempo, isso é um valor para a companhia. A gente entende que como uma empresa estatal brasileira, a gente tem uma função social e essa função social é ajudar esse processo de transformação de desenvolvimento”, diz.

*​A equipe da Agência Brasil viajou à Bragança entre os dias 11 e 14 de junho para conhecer o projeto Mangues da Amazônia, a convite da Petrobras, patrocinadora do projeto.