Nelson Pereira dos Santos fez dois filmes sobre Tom Jobim

Foto/Divulgação.

Cinéfilo geralmente gosta de rever filmes. Foi o que fiz há pouco com A Música Segundo Tom Jobim e A Luz do Tom, ambos dirigidos por Nelson Pereira dos Santos.

Antônio Carlos Jobim é um gigante da música popular do mundo. Nelson Pereira dos Santos é um dos mais importantes entre todos os cineastas do Brasil.

A Música Segundo Tom Jobim e A Luz do Tom são muito diferentes, mas se completam para formar um retrato do artista tirado pelo realizador de Vidas Secas.

Nelson se debruça sobre Tom como se o Cinema Novo encontrasse a Bossa Nova. E aquele se rendesse a esta, ambos abençoados pela força da passagem do tempo.

Tom pela luz dos olhos de Nelson – escrevi quando vi A Música Segundo Tom Jobim na estreia. Não imaginava que a palavra luz estaria no título do segundo filme.

Nelson queria chamá-lo As Mulheres do Tom, mas a família não gostou – me contou o cineasta numa conversa de muitos anos atrás.

Naquela época, o projeto de Nelson Pereira dos Santos era um só. A Música… parece ter surgido depois. E ficou pronto antes.

É mais original do que A Luz... e certamente dialoga melhor com o espectador que não seja um grande admirador da obra de Jobim. Mas os dois desafiam as convenções do cinema documental. E o fazem com absoluta serenidade.

A Música Segundo Tom Jobim não tem entrevistas. Nem voz em off. Muito menos narração. Mas conta uma história com começo, meio e fim.

A história de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim – o começo difícil, sua formação, os primeiros trabalhos, os encontros com Vinícius de Moraes e João Gilberto, a Bossa Nova, a projeção internacional, o disco com Frank Sinatra, o amor à natureza.

Tudo é apresentado ao público através da música. Uma colagem reúne as canções de Tom interpretadas por artistas do mundo inteiro. Como se Nelson Pereira dos Santos quisesse dizer que os sons e a palavra cantada são suficientes naquele retrato.

A Luz do Tom não tem imagens de Jobim. Só na abertura. Imagens em telas de televisão. E falas rápidas. Radamés Gnatalli, Ernesto Nazareth, Villa-Lobos, Dorival Caymmi. Matrizes, fontes. Depois, Nelson, mais uma vez, conta a história do artista.

Agora, narrada pela irmã, Helena, e pelas duas mulheres (Teresa Hermanny e Ana Lontra) com quem Tom Jobim foi casado.

Helena fala da infância e da juventude. Teresa Hermanny, do artista em busca do reconhecimento, da projeção que veio com a Bossa Nova e da maturidade.

A Ana Lontra coube a relação de Tom com a natureza. As músicas ilustram os depoimentos, tornando-os mais ricos. Confirmam a beleza infinita do repertório jobiniano.

Tom era de 1927. Nelson era de 1928. Em A Luz…, ele olha Jobim de longe, depois que o tempo passou. Dá voz às mulheres, às lembranças e, sobretudo, à sensibilidade delas.

Recorre ao filho do compositor, Paulo Jobim, para fazer as ilustrações musicais. Muitas, em gravações simples, de voz e piano, sem adornos.

A narrativa é lenta num filme breve, que dura menos de uma hora e meia. E que só dialogará com um público restrito, bastante específico.

Contemplação. Eis uma palavra que cabe bem neste documentário. Tom era um ser contemplativo, diz Helena no desfecho. Enxergava o que não estava ao alcance de todos. E transformava sua visão em música.