MILTON NASCIMENTO!

Foto/Reprodução/Instagram.

Recife, março de 1979. Noite de sexta-feira, Teatro do Parque lotado. Milton Nascimento entra sozinho no palco, vestido de branco, e, acompanhando-se ao violão, canta Volver a los 17, de Violeta Parra, que gravara com Mercedes Sosa.

Em seguida, os músicos vão ocupando seus lugares. Wagner Tiso no piano, Robertinho Silva na bateria, Novelli no baixo, Hélio Delmiro na guitarra. Mais Beto Guedes e Flávio Venturini. O show: Clube da Esquina 2. Histórico, antológico, inesquecível.

“Canoa, canoa desce/no leito do Rio Araguaia desce” – a voz de Milton ecoa no teatro com os falsetes que encantaram o mundo. Lembranças da primeira vez em que o vi de perto.

Milton Nascimento entrara na nossa casa pelas mãos do meu pai, em 1967. No FIC, o Festival Internacional da Canção que o revelou com Travessia.

1967. Para mim, um ano de grandes descobertas musicais: os Beatles captados nas luminosas imagens em preto & branco de Richard Lester; Caetano Veloso (Alegria, Alegria) e Gilberto Gil (Domingo no Parque) em suas primeiras mensagens tropicalistas.

Milton Nascimento e sua Travessia. “Solto a voz nas estradas…” – sim, a voz mágica que vinha de Minas. Como um mistério que nunca desvendaríamos por completo.

O rapaz nascido no Rio, adotado por um casal de mineiros, louco pelo François Truffaut de Jules et Jim. E pelos mesmos Beatles que vi correndo na quadra em A Hard Day’s Night.

Meus melhores contatos com a música de Milton Nascimento são dos anos 1970. Que sorte! – justamente o período em que gravou seus discos mais importantes.

Uma sequência de LPs lançados pela velha Odeon. Sete discos que, entre 1970 e 1978, o colocaram para sempre no topo da nossa música popular.

Ele não precisaria ter feito mais nada. Já estava tudo ali, naqueles trabalhos realizados ao lado dos músicos que formaram o Clube da Esquina. Gente que veio de Minas Gerais. Gente que foi se agrupando mais tarde no Rio de Janeiro.

“Noite chegou outra vez/de novo na esquina os homens estão” – Milton Nascimento e os irmãos Márcio e Lô Borges, seus parceiros. Milton Nascimento e Fernando Brant – seu principal parceiro de jornada.

Primeiro, o disco com o Som Imaginário (1970). Para Lennon e McCartney, Canto Latino, Pai Grande. A Felicidade, de Tom e Vinícius, evocando Agostinho dos Santos.

Depois, o duplo Clube da Esquina (1972). Brancos e pretos. Lô e Milton. Tudo o que Você Podia Ser, O Trem Azul, Cais, Nada Será Como Antes, San Vicente.

E aí vêm os dois Milagre dos Peixes. Em estúdio (1973), com as letras censuradas e a voz de Clementina de Jesus. Ao vivo (1974), duplo, no Teatro Municipal de São Paulo, com banda e orquestra sob a regência de Paulo Moura.

Na abertura, as cordas que remetem tanto ao Som Imaginário quanto ao barroco mineiro antecedem as palavras que se repetem em Bodas. “E a muitos outros que a mão de Deus levou” – a dedicatória irônica na noite brasileira.

Minas (1975) e Geraes (1976) consolidam o artista extraordinário. Fé Cega, Faca Amolada, Beijo Partido, Saudade dos Aviões da Panair, Ponta de Areia, Paula e Bebeto. A voz metálica misturada ao coro infantil.

Mi de Milton, nas de Nascimento. As sílabas iniciais formando Minas. Para abrir caminho a Geraes, o disco seguinte. Dois que parecem um só.

“Voltar aos 17, depois de viver um século” – os versos de Violeta Parra gravados com Mercedes Sosa. Ou: “Quem cala sobre teu corpo/consente na tua morte”, que evoca sutilmente o assassinato, em 1968, do estudante Edson Luís.

No próximo passo, os amigos e as amigas, todo mundo junto em Clube da Esquina 2 (1978). Dizer que tem Elis Regina e Chico Buarque cantando e que tem Maria, Maria ainda é pouco porque traz letras de Ruy Guerra e Carlos Drummond de Andrade.

E tem Wagner Tiso e Joyce e Paulo Jobim e o Azymuth e Danilo Caymmi e Maurício Maestro e Flávio Venturini e Nelson Ângelo e Lô Borges e Beto Guedes e Toninho Horta e Robertinho Silva e Novelli e Fernando Brant e Márcio Borges e Ronaldo Bastos.

Sentinela, com Canção da América, abre os anos 1980. Milton já disse que Angelus (1993) seria um Clube da Esquina 3,e Pietá (2002), um Clube da Esquina 4.

Mas, para mim, ainda é Clube da Esquina 2 quem exibe melhor, em sua inteireza, o tamanho desse gigante que, há pouco, o New York Times chamou de divindade musical.