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Sem essa, Aranha!

Foto/Reprodução.

 
 
   

Terça-feira, nove de dezembro de 1980. Chego em casa pela manhã, vindo do Recife, e recebo um telefonema de Carlos Aranha: “Soube da morte?”. E eu: “Quem?”. Ao que ele responde: “John Lennon, assassinado em Nova York ontem no final da noite”.

Sábado, 22 de agosto de 1981. Sou acordado por Aranha ao telefone: “Glauber morreu”. Essas más notícias que ele me dava – a de Lennon, a de Glauber Rocha, outras mais – eram convocações. Como quem dizia: “Venha para a redação fazer o necrológio”.

Entre o final da década de 1970 e o começo da de 1980, Carlos Aranha foi meu colega de redação numa fase muito produtiva do jornal A União. O diretor era Gonzaga Rodrigues. O editor, Agnaldo Almeida. Aranha passara dos 30 e ainda não tinha 40 anos.

Em 1969, eu tinha apenas 10 anos quando os Beatles me aproximaram de Carlos Aranha. A notícia da “morte” de Paul McCartney, a canção A Day in the Life tocada de trás pra frente, uma gravação feita pelo meu pai, um encontro na Rádio Correio AM.

Amigo, amigo, fui ficando a partir de 1974. Dois anos antes, ele já me sondara para entrar no elenco de uma peça que escrevera a partir de um livro de Jorge Mautner. Carmélio Reinaldo seria o diretor. A montagem acabou não acontecendo.

Carlos Aranha fez crítica de cinema e começou a fazer cinema na segunda metade dos anos 1960. Filmou Libertação em 16 milímetros, mas deixou inacabado. No teatro, dirigiu Anco Márcio na excepcional montagem do monólogo russo Diário de um Louco.   

Em 1968, foi um dos signatários do manifesto nordestino de adesão ao movimento tropicalista, que reuniu artistas e intelectuais de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. O manifesto se chamava Inventário de um feudalismo cultural.

Carlos Aranha também esteve nos festivais de música popular realizados naquela época na Paraíba. Pelo menos três músicas que compôs e defendeu remetem àqueles eventos: Gira Mulher, Ivone Pelo Telefone e Objeto de Utilidade Pública.

Jornalista por excelência, Carlos Aranha sempre flertou com essa coisa de ser compositor de música popular. Em 1974, fez um show incrível no Teatro Santa Roza: Puxa Puxa, Música Contemporânea na Cidade de João Pessoa

Muito anos depois, gravou um EP com a canção Sociedade dos Poetas Putos. O título, foi buscar no filme Sociedade dos Poetas Mortos, e a letra começava assim: “Quando me faltou a sensação de jornalista, senti não ser um bruxo nem David Copperfield”.

Em poucas palavras, Carlos Aranha expunha ali um grande dilema que o acompanhou por toda a vida: ser o quê, afinal? Jornalista ou compositor? A verdade é que o jornalista foi permanente, enquanto o autor de canções populares foi bissexto.   

Carlos Aranha foi também produtor de shows. Graças a ele, vimos em João Pessoa alguns dos maiores nomes da MPB. Presidiu a Associação Paraibana de Imprensa, ajudou a fundar o PT e, por fim, entrou para a Academia Paraibana de Letras. 

Trabalhei com poucos jornalistas tão brilhantes quanto Carlos Aranha, e isso não tem nada a ver com os elogios feitos na hora da morte. Pensava o jornalismo e executava o jornalismo com uma inteligência e uma velocidade raras. Era um professor.

Política, economia, internacional, opinião. Atuava com igual desenvoltura em qualquer editoria. Mas seu negócio era mesmo a editoria de cultura, o segundo caderno, os filmes em cartaz, os discos lançados, o exercício permanente da crítica.

Carlos Aranha era uma grande presença na redação. Carlos Aranha era uma grande conversa fora da redação. Fechado o jornal, íamos para um bar ou um restaurante que chamávamos de “escritório”. Ou, pela madrugada, jogávamos dominó lá em casa.

Nesta segunda-feira, 11 de novembro de 2024, Carlos Aranha morreu aos 78 anos. Já o havíamos perdido desde que, atingido por um processo irreversível de senilidade, foi levado para uma dessas casas que recebem e cuidam de idosos.    

Em agosto último, a pedido de Naná Garcez, escrevi um perfil de Carlos Aranha para um livro que A União vai publicar. Terminei o texto assim: 

Ousado, provocador, transgressor, Carlos Aranha viveu intensamente os sonhos de quem foi jovem nos turbulentos anos 1960 e se fez figura imprescindível na cena cultural paraibana das últimas décadas.